Educação cristã clássica = bolha?
Esse tipo de educação não é o mesmo que colocar o filho em uma bolha?
O que Sócrates, Platão, Agostinho, Tomás de Aquino, Pascal, Galileu, Einstein, Joana D’Arc, Copérnico. Colombo, Shakespeare, Darwin, Isabel I, Lutero, Newton, e C. S. Lewis tinham em comum?1
Qual a relação entre esses nomes além do fato de todos já terem falecido?
Sem dúvidas, esses personagens moldaram a nossa história, pois todos contribuíram de uma forma ou de outra para o que chamamos, hoje, de modernidade. E ainda mais interessante é o fato de que todos tiveram um mesmo tipo de educação. Uma educação clássica.
Talvez você tenha visto e/ou acompanhado essa onda recente sobre educação clássica, e mais especificamente cristã clássica.
Na verdade, ela surgiu há algum tempo nos Estados Unidos por meio do reverendo Douglas Wilson, depois de revisitar um artigo escrito por Dorothy Sayers, apresentado em forma de palestra, no ano de 1947.
O que nos cabe neste momento é apresentar, de forma resumida, o significado de educação cristã clássica, e defendê-la de um de seus ataques mais comuns: o mito da bolha.
O que é a Educação Cristã Clássica?
Como a própria educação clássica ensina, é necessária uma definição dos termos (Gramática) para que tais sejam compreendidos (Lógica) e aplicados (Retórica) de forma adequada.
O Dr. Christopher Perrin, talvez o mais importante professor e promotor do método clássico dos dias atuais, fornece uma definição geral da educação clássica como sendo “uma forma de educação autoritativa, tradicional e duradoura, iniciada pelos gregos e romanos, desenvolvida ao longo da história e agora sendo renovada e recuperada no século vinte e um”.2
Perrin também acrescenta que essa mesma educação “é uma educação tradicional que mistura a teologia cristã com o currículo histórico e com a pedagogia das sete artes liberais, a fim de produzir líderes sociais caracterizados pela sabedoria, virtude e eloquência”.3
O reverendo Douglas Wilson acrescenta a essa definição dizendo que a “Educação cristã [clássica] é aquela que reconhece o senhorio de Cristo em todas as matérias estudadas, e que ensina a reação de cada matéria de forma consistente com as Escrituras. [Ou seja], cada matéria é ensinada como uma parte integrada de um todo, com as Escrituras no centro. Cristo é o eixo, e tudo que é ensinado está conectado”.4
De modo geral, poderia-se dizer que a Educação Cristã Clássica é o sonho de consumo de todo educador, é a utopia apresentada por diversas pedagogias, diferindo-se destas porque, segundo o próprio Wilson:
“Em primeiro lugar, [a educação cristã clássica] segue a pedagogia desenvolvida durante o curso da civilização ocidental — da gramática, da dialética e da retórica.
E, em segundo lugar, reconhece a autoridade do passado. A tradição não é absoluta — somente as Escrituras ocupam essa posição —, mas o respeito pela tradição é uma forma de respeitarmos nossos pais e nossas mães. Por isso é que a educação clássica também define o conteúdo do seu currículo — Heródoto e Agostinho, Calvino e Jonathan Edwards, Aristóteles e Plutarco”.5
Ou seja, a educação cristã clássica é uma forma de se fazer educação que crê que o futuro só pode ser construído sobre o passado. É uma educação que tem como ponto de partida o Criador e Sustentador de todas as coisas, de onde as características da bondade, da beleza e da verdade emanam, assim como outras virtudes.
Steve Turley resume essa ideia ao classificar a educação cristã clássica como “uma pedagogia que encultura alunos na Verdade, na Bondade e na Beleza, por meio da aquisição da sabedoria e da virtude”.6
Assim, é o tipo de educação totalmente centrada e desenvolvida em torno das Escrituras, proporcionando aos alunos sob sua tutela a possibilidade de identificarem onde estão na história da humanidade, e o porquê de ali se encontrarem.
Mas o que isso envolve? Bom, deixemos que a Bíblia responda.
Em Efésios 6, o apóstolo Paulo dirige algumas palavras às famílias. Ele começa no versículo 1, falando aos filhos:
“Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo” e prossegue, nos versículos 2 e 3, com o embasamento, citando o quarto mandamento.
“Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra.”
Nenhum de nós pode se sentir livre da aplicação desses versículos, pois, por mais jovens ou velhos que sejamos, todos nós nos encaixamos na categoria de filhos.
Já no quarto versículo, pela versão ARA, Paulo se dirige aos pais, dizendo:
“E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor”.
Na Nova Versão Internacional, o texto diz:
“Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor.”
Paulo alerta aos pais para que estes criem seus filhos na “disciplina”, segundo a ARA, ou na “instrução”, conforme a NVI.
Ambas são boas traduções, mas incapazes de transmitir o significado completo e a dimensão da palavra usada por Paulo em seu contexto original.
A palavra em questão é a palavra paideia. Tanto a palavra instrução quanto o termo disciplina são ótimas opções na língua portuguesa, porém o conceito de paideia vai muito além de instrução e disciplina.
Segundo Wegner Jaeger, paideia “representava aos gregos antigos uma enorme tarefa ideológica. Eles estavam preocupados com nada além de moldar o ideal do homem, que se tornaria capaz de tomar o seu lugar na cultura ideal. Além disso, a intenção da paideia era de tornar essa cultura [ideal] uma realidade”.7
Com isso em mente, Douglas Wilson conclui que a “palavra paideia vai muito além do currículo daquilo que chamamos de educação formal”. Ou seja, para os antigos da época de Paulo, a “paideia era toda abrangente e envolvia nada menos do que uma enculturação do futuro cidadão”.8
Note que, quando Paulo insta os pais a criarem seus filhos na paideia, ele o faz com um determinante. Não em qualquer paideia, mas na paideia do Senhor.
O que estou sugerindo, assim como Wilson, é que Paulo nos ensina, neste texto, que devemos criar nossos filhos de tal forma que cresçam em meio a um processo de enculturação cristã, algo que venha a cercá-los, contribuindo para que cresçam como cidadãos legítimos e preparados para essa real cultura cristã em formação.
Assim, “a paideia de uma verdadeira educação cristã é essa preparação necessária. Tal paideia prepara e conduz a uma verdadeira cultura cristã, e estando ela estabelecida, a paideia do Senhor torna-se o meio ordenado para manter essa cultura, preparando os jovens cristãos para assumirem suas responsabilidades na cristandade”.9
A segunda resposta diz respeito a um dos questionamentos mais comuns feitos a pais que optam por um ensino cristão, clássico ou não: esse tipo de educação não é o mesmo que colocar o filho em uma bolha?
E a resposta é não!
Em seu livro “Moldando Mentes e Corações”, a autora Monica Whatley e seu marido, Dr. Shawn Whatley, dão uma ilustração muito pertinente.
Ao invés de prover uma bolha protetora contra informações para isolar nossos alunos e filhos de ideias que pensamos ser nocivas, ou, ao contrário, em vez imergi-los antes que estejam prontos para lidar com elas, a educação cristã clássica escolhe inoculá-los.10
“A educação cristã clássica, de forma intencional, expõe os alunos e lhes dá ferramentas para que naveguem por aquelas questões difíceis que eventualmente encontrarão.”11
Mas, espere, isso não é o que o apóstolo Paulo nos admoesta a fazer em 1Coríntios 5:9-10?
Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo.
Não pertencemos a esse mundo, mas estamos nele. Não a fim de imitá-lo, mas, sim, a fim de transformá-lo.
O que o apóstolo Paulo faz, então, é admoestar os pais para que criem seus filhos de forma que não sejam isolados do mundo, nem imersos nele, mas sim preparados, inoculados, de modo que não sejam contaminados, e assim possam transitar neste cosmo realizando, cada um, o seu papel para a honra e glória de Deus.
Toda criança cresce e, eventualmente, torna-se um adulto, logo o intuito de oferecermos esse tipo de educação é para que possamos melhor preparar nossas crianças, de forma que elas se desenvolvam e tornem-se adultos com uma compreensão completa de quem Deus é, capazes de adorá-lo e render-lhe glórias em tudo o que fazem, tornando-se pessoas capazes de melhorar uns aos outros e tudo ao seu redor; amando a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo.
Assim, compreendemos que a educação não deve ter como foco um mero vestibular, uma mera melhora de vida. Não devemos visar a mera entrada nas melhores universidades, como se isso por si só fosse um fim em si mesmo. Nosso objetivo, contudo, é que cada uma de nossas crianças, assim como Cristo, cresça em estatura, envolvida na sociedade, desenvolvida intelectualmente e espiritualmente. Queremos vê-las alcançando a semelhança total do nosso salvador, Jesus Cristo!
E por acaso isso me afeta?
Talvez você esteja se perguntando: como isso tudo me afeta, ou para que serve tudo isso, uma vez que não estou envolvido em nada referente à educação, ou visto que já terminei meus estudo há tempos e nem mesmo tenho filhos?
Isso deveria afetar todos os cristãos.
Como cristão, você se considera um promotor da cultura cristã, esforçando-se por estabelecê-la e cultivá-la, na qual nossas crianças devem se desenvolver e crescer?
Então você deve se importar com tudo o que foi dito.
Você conhece pais que enxergam a triste realidade da situação educacional em que vivemos, mas que não têm os meios necessários para melhor prepararem seus filhos?
Então você pode ajudá-los das mais variadas formas. E isso inclui um investimento na formação deles. Você pode ajudá-los direta ou indiretamente em se tratando do desenvolvimento de escolas verdadeiramente cristãs, atuando diretamente no meio acadêmico ou cooperando financeiramente.
Você tem filhos na idade escolar? Então pense, qual o tipo de educação que seus filhos estão recebendo?
Você realmente pensa que as conversas que tem com eles são suficientes para combater todo o sistema inimigo de Deus, que os bombardeia tanto pela mídia como pela sociedade de um modo geral, e através da escola de modo específico e diário?
Então o que você deve fazer? Calar-se diante da triste realidade em que vive? Como você reagirá presenciando tudo isso?
Que tipo de crianças estão sendo criadas em sua igreja? Pequeninos alienados e isolados do mundo? Crianças imersas neste mundo corrupto, como se tudo fosse lícito? Ou, pela graça de Deus, estamos inoculando nossos pequeninos, preparando-os para viver como cidadãos reais do reino de Deus?
Como comunidade cristã, devemos proporcionar todos os meios para prover àqueles que são pais a oportunidade de criar seus filhos à luz do Evangelho, inclusive na escola, a fim de que tais crianças alcancem a uma completa semelhança de Cristo, para a glória de Deus!
Que tenhamos a consciência e a coragem para agir em favor de nossas crianças, para a glória de Deus!
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Romanos 11:36)